domingo, 9 de novembro de 2008

Enquanto isso...

A estrada passa, enquanto me mantenho calado. Centenas de milhares de pensamentos me ocorrem, a maioria em resposta a algum estímulo, seja visual, olfativo, auditivo ou – e principalmente – táteis. Em ônibus cheio, é preciso ficar atento aos contatos físicos. Há centenas de perversões nesse mundo, sendo sua maioria sexual. Essas perversões demandam atitudes, sejam elas sub, in ou conscientes. Pense na probabilidade: milhões de perversões num ônibus com, vejamos, cinqüenta pessoas. Uma entre duas pessoas tem alguma perversão. Dessas pessoas pervertidas, digamos que, sei lá, noventa porcento sofrem de perversões sexuais. Às vezes é bom ficar na defensiva e tal... Vai saber.

Sei que, quase em todas as minhas viagens de ôn
ibus, eu fico calado, olhando a rua, e esperando que algum estímulo comece a fuzilar meus neurônios. Funciona como uma injeção de gasolina num motor: O estímulo toca o neurônio que já passa a descarga pro próximo, que passa adiante que... Quando vai ver, eu já pensei duas mil coisas sobre uma besteira qualquer... E ai, a viagem fica menos monótona, e eu fico menos entediado.

Bom... Vim o tempo todo num caminho atípico hoje. Nada demais acontecia na rua. O ônibus, não estava cheio, para que as perversões alheias me deixassem ligado. Olhava pra dentro do veículo, morto, arejado, calado... Recordo-me de uns doze bocejos... Só o ranger das ferragens, que denunciava a precariedade da minha carruagem, e uma buzina ou outra na rua. Os olhos já estavam no meio caminho para fecharem-se em sono, quando duas amigas sentam-se, uma ao meu lado, e outra à minha frente. Nada diziam, apenas sentaram-se. Falaram duas ou três coisas, que eu não me recordo – talvez devido ao sono – quando uma fala de uma das garotas me chama atenção:

- Amiga... Eu acho que tenho certeza.

“Eu-acho-que-tenho-certeza.”. Ponto. Passei as ultimas horas pensando incessantemente nessa colocação. Que tipo de enredo faria com que essa colocação, a primeira vista completamente livre de nexo, fazer algum sentido? Em primeiro lugar, saliento que minha mente é extremamente fértil, e divaga facilmente por diversos caminhos...

Imaginei:

Estavam na praia, por sugestão de seus trajes. Uma das duas está desconfiada que a outra esta dividindo consigo seu marido, o que explicaria o silêncio entre as duas. A amante, confidente fiel, ouve diariamente as críticas da amiga em relação ao famigerado esposo. E é ai que entra sua perversão; ela sente-se fatalmente atraída ao rapaz, devido à descrição diária da amiga às suas canalhices. Todos os dias, a noite, a amante sonha com a indiferença do rapaz, que praticamente nunca te olhou.

Mulher traída sente o cheiro da traição... E poucos dias depois, a amiga começa a se queixar com a traíra da sua desconfiança ‘cornal’. A amiga, sempre tentando esquivar-se da conversa, se utiliza do fiel suporte da traição: a mentira.
E cada vez mente mais... Diz que acha que viu o marido dela com outra, que acha que era o carro dele naquele motel... Mas o rapaz sofre de uma acefalia que é inerente ao sexo masculino, e começa a dar pistas da secreta namorada à esposa traída. E o cerco vai se fechando em torno da traidora...

É exatamente ai que se dá a bagaceira. Presa entre a paixão do cafajeste e a amizade da corna, a mulher inventa a historia que vai culminar na frase que começou esse pensamento todo...
A traidora encontra uma inimiga – toda mulher tem uma mortal – da pobre criatura. E é ai que ela vê a ‘curva-pra-tirar-o-cu-da-reta’. E inicia, na praia, a conversa:
- Amiga... Preciso te contar uma coisa... – Começa a farsante.

A corna só olha pra cara da outra com uma cara de ‘ai-meu-deus-do-ceu’, puxa a cadeira e senta. O garçom esta passando pelo lado dela quando ela dispara:

- Moço, que cachaça tem aí?
- Bom tem ‘cincoenta-e-um’, tem rum, tem...
- Traz uma dose dupla da mais forte...

E virando-se para a traidora, tira os óculos, abre o sombreiro, se abana com o panfleto do ‘Brisa’ que ela pegou no buzú...

- Sim amiga, eu...
- Calma! – praticamente berra neste momento.

O garçom volta com a dose dupla de um negócio que mais parece ácido sulfúrico e coloca a frente da corna.

- Ta ai, dona... Eu nem sei o nome disso, mas o cozinheiro disse que é bem forte, então...
O rapaz nem acabou de falar, e a dose já sumiu, goela abaixo da criatura.
- Traz outra? – fala a corna, se dirigindo à amiga
- Traz outra. – Responde a amiga ao garçom.

E desatina a falar que ela ACHA que o Joanílson ta saindo com a Juciclene, que ela ACHA que viu os dois saindo do Scala ontem, que ela ACHA isso, ACHA aquilo..
E ai, pronto... a figura desatina a chorar... E ai, a outra dose dupla de acido sulfúrico chega. O garçom, vendo o estado da criatura, hesita em colocar a bebida na mesa, mas a mulher furta-lhe o copo e, em um segundo, a bebida já não existe mais...

E assim se segue o papo... Regado a cachaça forte e achismos inventados.
A traidora já esta com a consciência muito pesada, e a corna muito bêbada, quando é decidida a hora de partir. Um banho de mar, uma coca-cola, uma pititinga e dois acarajés curam parcialmente a bebedeira da figura que agora se dirige ao ponto, ainda sob soluços...
A amiga traíra está com a consciência muito pesada, e vai, inconscientemente desmentindo a historia... Diz que pode ter confundido, que provavelmente não era o Joanílson, que acha até que viu a Juciclene na rua naquele dia...

- Amiga – diz entre soluços a corna – você tem que ter certeza disso... é uma coisa muito séria!
A desgraçada, com medo de ser descoberta vai numa batalha mental durante a viagem quando, em certo momento, larga pra amiga:

- Amiga... EU ACHO QUE TENHO CERTEZA.


Meu ponto chegou, um cara tropeçou na rua, dois ‘baleiros’ discutiam uma coisa qualquer, passou um bambi que ficou me olhando, e eu esqueci parcialmente das minhas duas criações.

4 comentários:

Larissa Meira. disse...

Paguei pra você nesse texto.

rafa disse...

q loucura!!!
amei muito!
eh verdade q no onibus nossa cabeça pensa em mil coisas, da mesma forma que eh inevitável ouvir alguns fragmentos de conversas. E mulher eh assim mesmo...uahauhauahuahuha

Unknown disse...

Me surpreendeu com esse. :D

Danielle disse...

Tirei o chapéu! :)