quinta-feira, 30 de julho de 2009

O vilão

Entramos em campo. As torcidas estão enlouquecidamente assustadoras - ou assustadoramente enlouquecidas, a ordem aqui não altera muita coisa. É muito difícil adentrar um recinto aonde, digamos por alto, cinquenta, sessenta mil pessoas estão contra você.
Mas assim se faz. Apito. O futebol, embora não seja de entendimento geral, é muito mais que apenas um jogo. Uma porrada de sentimentos envolvem aqueles noventa minutos, que podem ser sorríveis, choráveis, sofríveis, desesperadores, explosivos... Isso, se tratando das torcidas e dos jogadores, claro... Para nós, arbitros, a coisa não é bem assim.

Nós somos, provavelmente, a classe mais julgada do mundo. Passamos de um mero juiz, ao pior filho da puta em questão de dois apitos. Não precisa muito... Uma faltinha boba, no meio de campo. Um momento de hesitação me impede de assoprar o maldito apito, e, num contra-ataque fulminante, o time visitante abre o placar. Pronto... Agora aquela torcida que dava um show magnífico me lança olhares de ódio... E isso é só o início da coisa. O atacante do time da casa faz um gol irregular. Anulo. É o que basta para que aqueles seres humanos se metamorfem em milhares de babuínos raivosos, babando de cólera, e desejando que algum objeto imenso - de comprimento e de largura - se alojasse em minha cavidade anal.

Não importa. Somos vilões de qualquer forma. Qualquer que seja o resultado final, alguém vai sair desejanto que eu tenha uma morte lenta e dolorosa, que invejaria o criador do filme "Jogos Mortais", de preferência com todos os requintes de crueldade possíveis... E isso não é tudo! A coitada da minha mae, que ja sofreu tanto na vida, deixa de ser uma santa senhora, viúva ha doze anos, que desconhece o real sentido da palavra 'foder', e passa a ser uma prostituta daquelas mais sujas, fétidas e baratas que existem.

No lance que segue ao gol anulado, o zagueiro do time da casa faz um penalti clarissimo... Pego o apito mas, zelando pela minha integridade física - e a integridade moral do imaculado nome da senhora minha mãe - eu deixo o lance seguir, fazendo vista grossa à tentativa de homicídio do zagueiro contra o atacante rival. Foi a pior merda que eu poderia ter feito. Aquela pequena parcela do campo, que ainda não tinha derramado seu ódio, passa a querer a minha cabeça também. Imaginem a carnificina que seria, se não fosse a tropa de Choque ali presente? De um lado, babuínos enfurecidos raivosos, do outro gorilas assassinos. E eu, um pobre diabo mirrado, que quase não tem forças pra aguentar a correria sutil dos noventa minutos, na mão destas criaturas, dentre as quais, o mais bonzinho já matou até a mãe.

O que um juiz de futebol pode fazer? Nossa sina é ficar preso entre o medo de sermos esquartejados na mão grande e a responsabilidade de apitar o jogo sem falhas. Olho para o relógio. Noventa minutos cravados! "Quanto de acréscimo?" - penso. Olho em volta, e o coro da torcida deixa de ter um caráter incentivador para com suas equipes, e passaram a ser gritos de guerra aonde, na melhor das hipóteses, minha mãe virou uma padilha da vida, minha esposa dorme com o bandeirinha, mas eu, claro, não ligo pois, obviamente, eu sou homossexual...

"Acrescimo é o caralho". Apito e termino com meu calvário.

2 comentários:

• Viviane Nascimento • disse...

problema é quando o apito fica mudo... e a gente cai na prorrogação e pênaltis!

;)

Keuzinha Almeida disse...

Muito bom. Gosto do estilo que vc escreve.